Em três anos, VMB cria estrutura inédita e transforma capoeiristas em atletas patrocinados

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Um em cada quatro atletas ranqueados do Volta ao Mundo Bambas (VMB) já recebe algum tipo de apoio financeiro — seja público, privado ou bolsa-atleta. O dado, fruto de uma pesquisa recém-finalizada pela organização, revela um movimento raro no esporte brasileiro: em apenas três anos de existência, o VMB conseguiu profissionalizar a capoeira a ponto de gerar visibilidade, renda e interesse de marcas e prefeituras por atletas que, historicamente, nunca tiveram espaço significativo no mercado esportivo.

O resultado não caiu do céu. Ele é consequência direta do modelo de gestão, articulação e estímulo à carreira que o VMB criou nos bastidores. A organização montou um sistema de seletivas, ranking e orientação contínua que, ao mesmo tempo, define a elite da modalidade e ensina atletas e coaches a construírem seus próprios caminhos rumo ao patrocínio.

Para chegar a essa estrutura, o VMB credenciou competições em todo o Brasil. Foram, inicialmente, 150 instituições interessadas; 90 receberam credenciamento; e 38 seguem habilitadas para 2026. Cada uma delas realiza etapas oficiais, compondo uma base que ultrapassa oito mil atletas circulando pelo ecossistema da marca. Desses, 1.800 foram ranqueados diretamente nas seletivas do VMB 8, 9 e 10 — núcleo considerado o mais qualificado e monitorado.

Esse crescimento chama atenção quando comparado a outras modalidades brasileiras com maior infraestrutura histórica. No jiu-jítsu, por exemplo, há milhares de praticantes e centenas de eventos anuais, mas nenhuma organização centralizadora capaz de criar um sistema nacional de ranking, contratação e estímulo direto aos atletas. No boxe, a maior parte das competições é pulverizada por federações independentes, sem uma lógica de carreira contínua.

O VMB faz o movimento oposto: centraliza, padroniza e cria lógica comercial. Funciona como uma liga — ainda que civil e independente — ao combinar gestão de dados, regulação técnica, calendário, credenciamento e qualificação de atletas. Esse modelo, incomum para esportes de base cultural, explica por que o VMB se tornou um produto compreensível para investidores, algo que a capoeira historicamente não tinha. Não à toa se tornou um produto televisivo: transmissões ao vivo na Combrasil TV e reprises no Canal Combate, do Grupo Globo.

Dentro desse grupo, 55 atletas já possuem contratos de exclusividade com o VMB. Até 2026, a meta da direção técnica é chegar a 150 contratados. O volume é inédito na modalidade. Mais do que isso: é a primeira vez que um projeto de capoeira estabelece um modelo profissional de contratação, autorização de agenda, circuito de competições e projeção nacional e internacional.

Mas o impacto mais surpreendente está fora das arenas. A organização criou a “Trilha do Atleta Patrocinado”, um processo que orienta capoeiristas a se apresentarem institucionalmente em suas cidades — por meio de media kits, relatórios de desempenho, presença na imprensa e visitas às secretarias de esporte. A partir dessa orientação, atletas passaram a construir relacionamentos com gestores públicos e marcas locais, fortalecendo a percepção de que a capoeira pode — e deve — ser tratada como esporte estratégico.

É nesse ponto que o dado “um em cada quatro” ganha peso. Ele mostra que o VMB não apenas revela atletas: transforma carreiras.

Erick Maia, campeão da primeira edição do VMB e detentor do cinturão na categoria peso médio, descreve a mudança: “Antes do VMB, eu não sabia nem por onde começar para ter um patrocinador. Com a orientação deles, aprendi a me comunicar melhor, apresentar resultados e me posicionar como atleta profissional. Hoje, tenho apoio que me permite competir mais e treinar melhor.”

A atleta Janaely Gata, uma das grandes referências femininas do circuito, reforça o impacto institucional: “A gente aprende que capoeira também é projeto, é planejamento, é relacionamento. O VMB não só coloca a gente no palco. Eles ensinam como seguir depois do palco. Isso muda tudo para quem vive de capoeira.”

Saverio Scarpati, diretor executivo do VMB, resume o fator-chave que convenceu patrocinadores e gestores públicos a abrirem as portas: “A capoeira desperta simpatia em todo mundo. É inclusiva, envolve famílias e transmite valores que vão além da luta. Esse foi o ponto-chave para mostrar aos investidores que valia a pena apostar.”

O VMB se tornou também um motor econômico. Em três anos, mais de três mil postos de trabalho temporários foram gerados pelas etapas oficiais — entre produção, montagem, logística, comunicação, segurança e serviços. Além disso, atletas relatam aumento significativo no valor pago por seminários, workshops e apresentações internacionais, impulsionados pela visibilidade que a marca proporciona.

Casos de capoeiristas que hoje vivem de seminários no exterior, de agendas para as quais têm despesas custeadas por secretarias municipais ou de múltiplos contratos privados começam a se tornar comuns. Há atletas recebendo apoios modestos, outros intermediários e alguns já alcançando cifras mais expressivas — um avanço impensável poucos anos atrás.

Em um cenário esportivo historicamente desigual, o VMB conseguiu o que parecia impossível: criar um modelo que une espetáculo, transparência, gestão e articulação institucional suficiente para transformar a vida de quem está no berimbau e no pé do jogo. E se, até pouco tempo, a capoeira lutava por espaço nos orçamentos públicos e privados, hoje ela começa a ocupar o lugar que sempre mereceu — o de patrimônio cultural capaz de mover economia, carreira e futuro.