25 anos do 1º Mundial: A grande revolução do Jiu-Jitsu

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Amaury Bitetti venceu Fábio Gurgel na semifinal do absoluto e ficou com o ouro, não lutando a final com o parceiro Libório

 

Muito bom ver o nosso Jiu-Jitsu praticado hoje no mundo todo, sendo tão popular nos EUA que hoje já existe até um movimento local querendo criar uma “nova vertente” do esporte, o American Jiu-Jitsu.

Polêmicas à parte é sempre bom lembrar onde tudo começou, o 1º Mundial de Jiu-Jitsu, realizado há exatos 25 anos (nos dias 26, 27,28 de Janeiro e 2,3 e 4 de fevereiro) nas dependências do Tijuca Tênis Clube. Um sonho que só saiu do papel graças ao empreendedorismo de Carlos Gracie Jr, que, ao  perceber o aumento do interesse mundial pela modalidade após as vitórias dos primos Royce (no UFC americano) e Rickson (no Japan Open), decidiu que era hora de arregaçar as mangas, deixar de lado rivalidades e picuinhas internas da família para unir a modalidade por um bem comum. E foi assim que ele criou em 1994 a Confederação brasileira de Jiu-Jitsu, realizando antes do mundial, um Brasileiro individual (1994), um Panamericano (em Los Angeles) e um brasileiro por equipes (ambos em 1995). Graças ao sucesso destas três competições, o filho do patriarca da família decidiu sonhar ainda mais alto realizando a 1º edição do mundial de Jiu-Jitsu.

O evento contou com a participação de 450 atletas vindos de diversos países (8 da França, 7 dos Emirados Árabes, 6 dos Estados Unidos, 2 da suíça, 2 da Italia e 1 do Japão). Obviamente os gringos vieram muito mais para aprender e assistir de perto confrontos históricos entre os maiores nomes do Jiu-Jitsu brasileiro. Mesmo assim conseguiram faturar 12 medalhas (2 de ouro, 2 de prata, 8 de bronze). Os brasileiros faturaram 38 dos 40 ouros em disputa e protagonizaram clássicos históricos como Wallid x Roleta, Libório x Castello, Murilo x Gurgel, Royler x João Roque, Saulo x Marcio Feitosa, Amaury x Gurgel e Sérgio Penha x Jamelão.  

LIBÓRIO É ELEITO O MAIS TÉCNICO

Considerado pelo próprio Carlson Gracie como um dos alunos mais técnicos que já formou, Ricardo Libório conseguiu liberação no Banco do Brasil quando o 1º mundial foi confirmado. Com o suporte dos patrões Ricardo conseguiu se dedicar só ao esporte por três meses. O resultado apareceu na competição. Com apenas 86kg o destaque da Carlson venceu as 4 lutas que fez no evento, faturando o ouro no Superpesado (mais de 95kg) e ficando com a prata no absoluto, quando optou por não lutar a final com seu parceiro de treinos Amaury Bitetti.

No super pesado como a chave era de 3, todos se enfrentaram. No primeiro combate Leonardo Castello Branco venceu de virada o paulista Marcelo Figueiredo (4×3). Na segunda luta da categoria, Libório finalizou Figueiredo com um armlock da guarda, depois de fazer 7 x 0, e garantiu seu lugar na final com Castello, que o havia vencido no brasileiro de 93. 

A revanche parou o Tijuca Tênis Clube e foi quase toda disputada em pé, sem nenhuma vantagem clara para nenhum dos lutadores, até que no ultimo minuto, Libório conseguiu aplicar uma queda e quase pegou as costas de Castello, que não permitiu a estabilização, perdendo por apenas 2 x 0 . 

No absoluto Libório lutou com o judoca holandês Remco Parduel de 120kg , que havia lutado com Marco Ruas na semifinal do UFC 7. Mas o aluno de Carlson anulou rapidamente os 34 kilos de diferença, puxando para a guarda e finalizando com um armlock. Na final Ricardo enfrentou novamente Marcelo Figueiredo finalizando o paulista no primeiro minuto de luta.     

No outro lado da chave o companheiro de treinos de Libório, o bicampeão brasileiro (94/95) Amaury Bitetti venceu Fábio Gurgel (combatividade) e ficou com o ouro. 

Na final dos pesados Fábio Gurgel voltou a fazer um clássico com outro rival da Carlson, Murilo Bustamante. Murilo e Fábio finalizaram seus dois primeiros oponentes, parando o Tijuca Tênis Clube para assistir o aguardado confronto entre os dois amigos que treinaram juntos para defender o Jiu-Jitsu contra a Luta-Livre no Vale-Tudo de 1991 no Grajaú. Desta vez Gurgel foi melhor aplicando uma queda e uma passagem (5×0) e garantindo o ouro.  

ROLETA PEGA A PRETA PARA SURPREENDER WALLID

Até sete dias antes da competição a categoria meio pesado faixa preta tinha tudo para ser uma das mais previsíveis do evento. Voltando as competições de pano depois de um ano focado no MMA, Wallid Ismail era considerado favorito absoluto para levar o ouro. Mas Carlinhos Gracie resolveu fazer uma surpresinha a 3 dias da competição graduando à faixa preta Roberto Roleta Magalhães que, no brasileiro de equipes quase havia surpreendido Fábio Gurgel com sua raspagem helicóptero. Diante da enorme expectativa e das provocações da torcida da Barra, o sempre polêmico Wallid, chegou a prometer que cometeria Harakiri (suicídio cometido com a espada pelos samurais japoneses) se fosse derrotado pelo novato.  

No sorteio das chaves Roleta caiu do mesmo lado de Wallid, que após vencer o paulista Marcelo Mathias por 8 x 0, fez a tão aguardada luta semifinal com o atleta da Barra, que havia vencido Ignácio Aragão na primeira luta.

Quando a luta foi anunciada, o evento praticamente parou para ver o clássico e o Tijuca Tênis Clube ficou parecendo um estádio de futebol com as torcidas da Carlson e Barra entoando cânticos para empurrar seus atletas. Roleta começou puxando para a guarda tentando raspar o atleta da Carlson, sem êxito. Conhecido por ser um excelente passador, Wallid atacou a guarda do novato por quase toda a luta. Mas no minuto final, quando o faixa preta de Carlson já parecia se aproximar da vitória por combatividade, Roleta conseguiu dominar a boca da calça (direita) e o braço direito do oponente que, para não cair por baixo, ficou de quatro. Roleta imediatamente pegou suas costas, colocando os ganchos e recebendo os quatro pontos, enquanto a torcida da Barra comemorava como se fosse um gol em final de Copa do mundo.         

Na final, Roleta garantiu o ouro e consagrou seu esqui-jitsu em sua estréia na faixa preta após finalizar com um triângulo outro representante da Carlson, Bebeo Duarte, que havia eliminado Ricardo Americano na outra semifinal.

Se no meio pesado Carlinhos surpreendeu Carlson graduando Roleta para vencer Wallid no mundial, no Pesadíssimo foi a vez de Carlson Gracie tirar sua carta da manga, graduando Mario Sperry, o José Maquina, que estava invicto com mais de 400 vitórias desde a faixa azul. Segundo me foi dito pelo próprio Carlson, a idéia era “acabar com a boa vida de Roberto Traven” (Alliance) na divisão. Zé Mario começou correspondendo as expectativas finalizando Carlos Santos enquanto Traven finalizava Kiko Veloso com um estrangulamento pelas costas. Mas infelizmente, quando a luta terminou, o faixa preta da Alliance ficou estirado no chão sentindo uma contusão no braço e infelizmente o confronto mais esperado da divisão não ocorreu. Ao final Zé Mario levou o ouro, Traven a prata e Carlos Santos o bronze. 

O SHOW DE ROYLER NO PENA 

Nas categorias Pena e Leve a Gracie Humaitá sobrou. Com Royler e Paulo Coelho fechando no Pena e Renato Barreto e Paulo Barroso fechando no leve.

Royler começou fazendo 6 x 0 (2 passagens de guarda) em Marco Aurélio que o havia vencido no brasileiro. Na seqüência o Gracie pegou dois de seus maiores rivais: João Roque (Nova União), vencendo por 4 x 0 e Vinícius Draculino (Barra Gracie) por 12 x 0. Na final, Paulo Coelho, que havia vencido Luis Amigo e Alexandre Socka, abriu para o mestre, ficando com a prata.

No peso leve o pelotão da Gracie repetiu o domínio com Paulo Barroso, Renato Barreto e Saulo Ribeiro. Saulo chegou a semifinal vencendo Marcio Feitosa com uma queda, enquanto Renato Barreto finalizava Muzio De Angelis com um armlock. 

Enquanto isso, do outro lado da chave, Paulo Barroso finalizava o francês Arsene Gilles e o brasileiro Fábio Santos que representou os EUA. 

Considerado favorito para vencer esta categoria Paulo Caruso (Oswaldo Alves) finalizou Cláudio Cardoso na primeira luta, mas acabou eliminado na semifinal com Alexei Cruz, que o aplicou uma cabeçada não intencional. O choque abriu um enorme corte em seu supercílio. Os médicos fizeram um curativo e a luta voltou, mas infelizmente, quando Caruso chegou às costas do oponente, o sangramento voltou forte, obrigando o árbitro a interromper o combate, declarando Cruz, que perdia a luta, vencedor. Com o rosto todo ensanguentado Caruso foi aplaudido de pé pelo ginásio numa das cenas mais marcantes desta 1º edição. Na semifinal Barroso venceu Alexei, garantindo um pódio com os companheiros Renato Barreto (2º), Saulo Ribeiro (4º), além de Alexei Cruz (3º)        

No peso pena, Royler venceu Marco Aurélio (6×0), João Roque (4×0) e Vinicius Draculino (12×0), não lutando a final com seu aluno Paulo Coelho

GORDO LEVA OURO NA CATEGORIA DE SÉRGIO PENHA

A histórica luta em que chegou a fazer 16 pontos em Rickson Gracie e acabou sendo finalizado, bem como sua propalada técnica enaltecida por todos que treinaram com ele na academia de Oswaldo Alves, fizeram de Sérgio Penha um dos faixas pretas mais respeitados da geração dos anos 80. Quando anunciou sua volta aos tatames aos 36 anos competindo com a garotada no mundial, Penha passou a ser considerado favorito absoluto para levar o ouro na divisão dos médios. O fato é que a possibilidade de ele enfrentar grandes nomes da nova geração como Alexandre Paiva, Nino Schiembri, Roberto Gordo e Eduardo Jamelão fez desta divisão uma das mais aguardadas pelos fãs do esporte. Mas infelizmente na semana do evento Nino foi diagnosticado com hepatite, enquanto Alexandre Paiva teve uma Cachumba. 

Após as baixas, muitos passaram a dar como certa uma final entre Gordo e Penha  mas o atleta da Alliance, Eduardo Jamelão, quebrou a banca fazendo 5 x 0 e eliminando Penha, que havia vencido Cláudio Ramos em sua primeira luta. Na grande final o criador da meia-guarda, Roberto Gordo, aplicou o mesmo placar em Jamelão (5×0) garantindo mais uma medalha de ouro para a Gracie Barra.   

Mesmo com um serio problema de hérnia de disco, o campeão brasileiro Hélio Moreira, o Sonequinha decidiu entrar no mundial e manteve sua hegemonia na divisão dos plumas. Depois de passar por Otávio Couto (Alliance) e Clayton Chaves (Carlson), Sonequinha venceu Megaton pelo elástico placar de 13 x 2 e ficou com o ouro. Nos galos Marcos Barreto foi o campeão.   

O UFC DO JIU-JITSU 

Dois dias após o mundial tive a honra de receber Carlson Gracie e Ricardo Libório em meu estúdio para fotografar a minha primeira capa para a revista KIAI. Já o Jornal O Tatame fazia sua primeira edição com a capa colorida usando minha foto de Libório tentando pegar as costas de Castelo Branco em sua capa.

Hoje com 24 edições realizadas da maior competição da Arte Suave é impossível não fazer uma comparação com o MMA. Assim como Rorion revolucionou o mundo das lutas através do UFC, seu visionário primo, Carlos Gracie Jr. fez o mesmo com o Jiu-Jitsu. Cabe a ele manter a gestão da IBJJF com a mesma competência e pragmatismo que marcaram os 24 anos anteriores, repelindo de maneira natural a movimentos, como o American Jiu-Jitsu, evitando assim que a modalidade siga o mesmo caminho do UFC.        

*Texto e fotos: Marcelo Alonso