ADCC 2001: Arona vence oito e fatura peso e absoluto nas olimpíadas do grappling

0
718
Arona escapou de duas tentativas de finalização e passou a guarda de Jean Jaques na final do absoluto

Depois de colocarem o Brasil em primeiro lugar no quadro de medalhas nas duas primeiras edições do ADCC (1998, 1999 e 2000), os brasileiros voltaram a dominar a 4o edição das olimpíadas da luta agarrada, realizadas nos dias 11,12 e 13 de abril de 2001 em Abu Dhabi. Desta vez faturando 4 medalhas de ouro, três de prata e seis de bronze. Destaque para Ricardo Arona, que venceu peso e absoluto e Royler Gracie, que faturou o tricampeonato. Como de praxe o evento entrou para a história por grandes classicos como Arona vs Cachorrão, Zé Mario vs Mark Kerr, Royler vs Robinho, Arona vs Jean Jaques, Cacareco vs Chael Sonnen, Saulo vs Arona, Leo Santos vs Léo Vieira, Serra Vs Gomi, Rodrigo Gracie vs Genki Sudo, Libório vs Tamura e dezenas de outras lutas antológicas.

Texto e fotos: Marcelo Alonso

Depois de sair do anonimato faturando a medalha de ouro na divisão mais difícil de 2000, Ricardo Arona voltou ainda mais inspirado para a edição de 2001 em Abu Dhabi. 

Na categoria até 98 kg, o niteroinse, começou derrubando o russo Ruslan Masuchenko (2×0), pegando na sequência Renato Babalú, que havia finalizado com uma chave de calcanhar o wrestler japonês Hirashi Fujita. O clássico entre os campeões de Vale-Tudo parou o ginásio. O representante do Ruas Vale Tudo começou melhor e, após passar para as costas de Arona, quase conseguiu derrubá-lo, mas o atleta da BTT se desvencilhou e, na sequência, conseguiu cinturar o oponente colocando-o para baixo  (segurando Babalú por 3 segundos), garantindo os dois pontos e a passagem a semifinal. Mas para chegar a final Arona teve que vencer o durissimo John Olav Einemo , que havia eliminado Rigan Machado (queda) e Rolles Jr. (passagem de guarda).

Do outro lado da chave Ricardo Cachorrão , em dia inspiradíssimo, finalizava com um mata-leão o duro Yuri Stetsenko, passando na sequência por Dean Lister e fazendo, na semifinal, um clássico Jiu-Jitsu x Luta-Livre com Cacareco. Aliás, o atleta da luta-livre que havia perdido para Nino na final seletiva brasileira e foi convidado pelo Sheik Tahnoon, não desapontou o anfitrião. Depois de vencer Marc Laimon (pontuação negativa), Cacareco finalizou o ainda desconhecido Chael Sonnen com uma guilhotina. Na aguardada semifinal, Cacareco começou melhor e por pouco não faz com o aluno de Renzo o que havia feito com Fernando Paradeda na semifinal das eliminatórias nacionais (deslocou o braço do aluno de Sperry). O braço de Cachorrão chegou a estalar, mas ele conseguiu escapar da temida americana. A vitória do aluno de Renzo veio quando Cacareco o puxou pra guarda tentando uma guilhotina. Ricardo defendeu e passou pra final com Arona.

A grande final até 98kg foi uma das melhores lutas da história do evento. A luta foi uma guerra de 20 minutos onde ambos tentaram quedas o tempo todo e o aluno de Renzo, apesar de conseguir os lances mais bonitos da luta, acabou perdendo ( -1). Cachorrão chegou a levantar Arona nas costas, deu alguns passos e depois arremessou o atleta da BTT, que já caiu de quatro atacando as pernas do oponente e encaixando, na sequencia, uma de suas perigosas guilhotinas.

Na disputa pelo bronze Cacareco finalizou John Olav e levou os 3 mil dólares pra casa. 

GRANDES CLÁSSICOS NO ABSOLUTO

Ao contrário do ano anterior, quando Mark Kerr não teve problemas para vencer, neste ano os brasileiros dominaram inteiramente a categoria mais cobiçada do evento, ficando com as quatro primeiras posições e garantindo um total de US$ 56 mil (40 para o primeiro, 10 para o segundo , 5 para o terceiro e 1 para o quarto). Tendo em vista a atuação dos brasileiros nas divisões e a desistência dos gigantes Tom Erikson e Mark Robinson de participarem do absolutos, dos 16 escolhidos por Tahnoon para a chave do absoluto, 8 eram brasileiros.

Arona abriu a categoria finalizando o mais pesado dos estrangeiros na chave, o alternate olimpico do time americano Roger Neff. O niteroiense puxou pra meia guarda e, com um bote certeiro, finalizou o gigante em menos de um minuto, eliminando na sequência Saulo Ribeiro (2×0). Logo abaixo, seu parceiro de treinos Vitor Belfort vencia o japones Genki Sudo (3×0), passando na sequência pelo americano Rico Rodriguez (2×0), que havia eliminado Cacareco pelo mesmo placar.

Do outro lado da chave, Ricardo Cachorrão, que dali a três semanas lutaria com Matt Lindland no UFC, vencia o russo Mashurenko, finalizando na sequência, com um lindo armlock da guarda, o wrestler Mike Van Arsdale.

Infelizmente as semifinais foram marcadas por lutas pre definidas entre parceiros de treino. Na primeira, entre alunos de Carlson Gracie, Arona venceu Belfort. Já na outra semifinal, entre icones de duas gerações da Barra Gracie, Ricardo Cachorrão não ofereceu resistência ao mais graduado Jean Jaques.

A grande final foi marcada por um classico brasileiro: Carlson Gracie Vs Barra Gracie. Arona e Jean fizeram uma das melhores lutas da competição. Sempre buscando a finalização, como é seu estilo, o Machado fez dois perigosos ataques em sequência. Primeiro um leglock e depois uma omoplata. Em ambas oportunidades, Arona teve que mostrar muita técnica e tranquilidade para escapar, consolidando sua vitória com uma passagem de guarda, que lhe garantiu US 40 mil dólares e o direito de disputar os US 30 mil com seu ídolo Mark Kerr na primeira edição do evento no Brasil em 2003.      

SUPERLUTA: MARK KERR X MARIO SPERRY 

Um dos trunfos do ADCC sempre foi poder realizar, nas regras do grappling, confrontos dos sonhos do MMA. Bons exemplos disso são Carlão Barreto vs Mark Kerr em 1999 e Ricardo Arona Vs Tito Ortiz em 2000. Nesta quarta edição do evento, a superluta trazia este mote. De um lado, o campeão absoluto de 2000 e grande bicho papão dos pesos pesados nos ringues, Mark Kerr (110kg); de outro um dos maiores nomes da equipe Carlson Gracie, Mario Sperry (105kg), que na primeira edição venceu peso e absoluto e nas subsequentes venceu Enson Inoue (1999) e Roberto Traven (2000) nas superlutas.

Ao contrario da superluta entre Traven e Zé Mario na edição anterior, que foi marcada por excesso de respeito e pouca ação, não faltou emoção no duelo de meia hora entre Kerr e Sperry. O representante do Jiu-Jitsu começou surpreendendo ao puxar o wrestler pra meia-guarda atacando com um leglock antes dos cinco minutos. O gigante girou, quase se desequilibrou, e conseguiu escapar. “Se não rodasse no último segundo colocando o meu pé na bunda dele para puxar a minha perna, teria ficado dificil escapar”, reconheceu o americano após a luta.

Na sequência foi a vez de Kerr dar um susto na torcida brasileira ao aproveitar uma tentativa de single leg de Sperry para encaixar uma justa guilhotina. “segurei o ar encaixei meu queixo, puxei a pressão para a cabeça, consegui me restabelecer, Esperei ele cansar de fazer força e saí”, contou Sperry após a luta. A esta altura a luta estava empatada (-1 x -1). Mas no finalzinho, numa tentativa de passar a guarda, Kerr conseguiu que Sperry ficasse de quatro, garantindo a vitória e um lugar na super luta na proxima edição em 2003.          

Na superluta, Zé Mario começou atacando uma chave de pé, mas na sequência, quase foi surpreendido com uma guilhotina

88KG: SAKÊ NO AÇAÍ 

Após a histórica final de 2000, onde venceu Ricardo Libório na decisão, Saulo chegou em 2001 como favorito, apesar da presença na chave de Renzo Gracie, Nino e do proprio Libório. Mas neste ano o judoca japonesa, Sanae Kikuta, jogou sakê no nosso Açaí.

Nino começou a todo vapor estrangulando Akihiro Gono em 1min48s, garantindo o premio (3 mil dólares) de atleta mais técnico da competição ao finalizar o russo Alexander Sasha (vice campeão de 1999) com um triângulo partindo do omoplata. Enquanto isso na parte de cima da chave Saulo garantia a primeira semifinal brasileira ao eliminar o campeão da seletiva americana (2×0), finalizando na sequencia o sueco Richard Anderson.

Do outro lado da chave Libório e Renzo decepcionaram. Libório ainda começou bem, pegando o braço do idolo japonês Tamura em 1 minuto, mas acabou sendo eliminado na sequencia por Egan Inoue numa batalha de 20 minutos. Enquanto Renzo perdia logo de cara para Chris Brown. Brown acabou eliminado da semifinal por Sanae Kikuta, que chegou a uma das semis contra Egan Inoue, enquanto Saulo e Nino lutavam pelo outro lado da chave.

Kikuta chegou a final passando a guarda de Egan, enquanto Saulo eliminava Nino por puxá-lo para a guarda (-1).

Na grande final, Saulo começou justificando seu favoritismo derrubando e passando a guarda do japonês tentando definir a luta nos dez primeiros minutos, enquanto os pontos ainda não eram computados. Mas o tático japonês deixou o brasileiro se cansar para soltar o jogo quando os pontos começaram a valer. A poucos minutos do final do tempo regulamentar, Kikuta conseguiu passar a guarda do campeão mundial e quase pegar suas costas, garantindo a medalha de ouro. Quando o combate acabou Kikuta foi festejado pelos colegas japoneses como novo herói nacional merecendo a capa das duas principais revistas de luta de seu pais, a Kakutougi Tsushin e a GONG

A vitória de Kikuta levou as duas maiores revistas japonesas (Gong e Kakutougi Tsushin) a destinarem sua capa a conquista alavancando o submission na terra do sol nascente

 77kg: SERRA SURPREENDE JEAN JAQUES E LÉO SANTOS

Na categoria até 77kg o favoritismo brasileiro era ainda maior. Afinal de contas, lá estavam Jean Jaques, Marcio Feitosa, Léo Vieira, Léo Santos e Rodrigo Gracie. Mas a grande surpresa veio dos EUA, Matt Serra. O aluno de Renzo Gracie, que em 2007 venceria GSP, se tornando campeão do UFC numa das maiores zebras da história, surpreendeu também no mundo do grappling, só que seis anos antes.  

Se em 2000 Marcinho, que vinha sendo o grande nome da divisão, abriu para o mestre Renzo lutar a final com Jean Jaques, e acabou com o bronze, desta vez foi Serra que teve que abrir para Feitosa (mais graduado na hierarquia da Gracie Barra) e acabou no 2o lugar do podio. Mesmo tendo finalizado Takanori Gomi (Mata-leão), eliminado o favorito Jean Jaques com um ponto negativo e finalizado Léo Santos (também mata-leão). Santos, aliás, havia eliminado Léo Vieira (3×0) nas quartas Numa das melhores lutas do evento. 

Mas sem duvida alguma Feitosa fez a sua parte. Começou finalizando o ingles Peter Angerer e, na sequência, eliminou o duríssimo Fernando Vasconcellos. Na semifinal Feitosa passou por Rodrigo Gracie. Mas se o compadrio entre Feitosa e Serra na final decepcionou os fãs, o mesmo não se pode dizer da disputa pelo terceiro lugar entre Léo Santos e Rodrigo Gracie. Um pega pra capar que valeu ao atleta da Nova União a medalha de bronze e o prêmio de US 3mil.

ATÉ 66KG: ROYLER FATURA TRI E ROBINHO ENCANTA SHEIK 

No peso mais leve Royler Gracie conquistou seu terceiro título do ADCC, somando-se aos quatro ouros que conquistou no Mundial de Jiu-Jitsu. O Gracie começou finalizando rapidamente o australiano Martin Brown (mata-leão), na sequencia surpreendeu o americano Mike Cardoso com uma chave de calcanhar. O filho de Hélio Gracie garantiu sua vaga na final ao derrotar o compatriota Robson Moura (2 a 0), numa das lutas mais tecnicas da competição.

Enquanto isso, do outro lado da chave, o rival havaiano Baret Yoshida, que havia sido eliminado por ele logo na primeira luta em 2000, finalizava todos os oponentes com leglocks. Primeiro o brasileiro Gustavo Dantas, depois o japonês Naoya Uematsu e, na semifinal, o campeão de 1998, Alexandre Socka. Ao vencer Socka, aliás, o marrento havaiano aponto para Royler, que lutava com Robson Moura no ringue do lado e gritou “O proximo é você”. E foi exatamente o excesso de confiança do havaiano que acabou dando o título ao brasileiro ainda nos primeiros minutos. Royler aproveitou a ansia por finalização do havaiano, que o puxou para a guarda seguidas vezes, fazendo pontos. Resultado, em poucos minutos o brasileiro já marcava 5 x 0 no placar. “Esta é para o meu sobrinho Rockson” disse emocionado ao fim da luta Royler homenageando o filho de Rickson que havia acabado de morrer.

Mesmo não chegando a final Robinho encantou o Sheik Tahnoon. Pesando apenas 58kg o atleta da Nova União deu show em todas as suas lutas e, após finalizar Hiroyuki Abe (mata-leão) e surpreender o wrestler Joe Gilbert, que havia eliminado Fredson Paixão, Robinho venceu Alexandre Socka na disputa pela medalha de bronze e acabou sendo convidado pelo Sheik Tahnoon para ficar em Abu Dhabi ensinando aos seus filhos. Robinho acabou não aceitando a proposta de Tahnoon e voltou para dar aulas em sua academia em Ribeirão Preto. 

GIGANTE SUL AFRICANO VENCE MONSON     

Entre os mais pesados quem roubou a cena foi o aluno do brasileiro Ricardo Murgel, Mark Robinson de 133kg. Após ser finalizado (leglock) por Ricardão em 2000, o sul africano se internou com o faixa preta de Flávio Behring e mostrou o resultado este ano. Mark começou finalizando o ucraniano Valeri Yureskul com um estrangulamento, na sequncia eliminou Vitor Belfort, que havia finalizado o japonês Fukuda em sua primeira luta. Vitor estava melhor até metade do combate, mas no overtime, uma tentativa de queda de Robinson, acabou convencendo os juizes. “Achei que fui roubado. Ataquei mais nos 10 minutos iniciais. No overtime no chão ataquei o tempo todo e o cara não tentou uma passagem. Os juizes deveriam levar em conta não só minha ofensividade mas nossa diferença de  30kg”, reclamou o Fenômeno após a luta. Depois de eliminar Belfort, Robinson derrubou Rico Rodrigues no overtime e garantiu o ouro ao pegar as costas de Jeff Monson, que havia eliminado Tom Erikson na outra semifinal.