Em 2002, momento em que o Japão detinha o título de capital mundial do MMA e os brasileiros reinavam tanto na primeira (Pride) quanto na terceira (Shooto) maior organização do mundo, uma viagem bem planejada ao país poderia render farto material. E foi exatamente o que fiz em dezembro de 2002. Sabendo que Vitor Shaolin e os campeões Alexandre Pequeno e Takanori Gomi lutariam no último e maior Shooto do ano (14 de dezembro), fiz questão de chegar uma semana antes do Pride 24 (23 de dezembro), que teria Minotauro, Rodrigo Gracie, Murilo Ninja e a estreia de Rogerio Minotouro.
Seria minha segunda cobertura do Pride, mas a primeira no Shooto. E valeu muito a pena. Quase quatro mil pessoas lotaram o ginásio NK Hall, ao lado da Disneylandia japonesa, para ver o maior dos dezenove eventos do Shooto em 2002. Dentre as sete lutas realizadas, duas valiam o cinturão: Alexandre Franca Nogueira, o Pequeno, contra Hiroyuki Abe e Takanori Gomi contra Dokonjonosuke Mishima.
Texto e Fotos Marcelo Alonso
O PRIMEIRO A DEFENDER O CINTURÃO 4 VEZES
Depois de levar o primeiro nocaute da vida lutando contra Abe em junho, Pequeno voltou para a revanche prometendo devolver a derrota na mesma moeda. Só que, desta vez, valendo o cinturão. Com dez lutas e apenas duas derrotas, Alexandre Pequeno bem que tentou cumprir a promessa de nocaute, mas um knockdown aplicado pelo japonês nos minutos iniciais da luta levou o brasuca a mudar de estratégia. “Comecei com raiva. Estava com medo de tomar outro nocaute; mas, graças a Deus, consegui a vitória após colocá-lo para baixo e finalizá-lo”, reconheceu um radiante Pequeno que, a um minuto do final do primeiro round, resolveu ouvir a voz de André Pederneiras em seu corner: “esquece a raiva! Levanta, abre a guarda e tenta passar para finalizar” ‘. Dito e feito. Quando sentiu que o brasileiro passaria sua guarda, Abe virou de quatro e foi surpreendido com um mata-leão. Assim que o japonês desistiu, Toniko Jr, seu técnico, subiu no ringue aos prantos e, ao lado de Amaury Bitetti, Pederneiras e Shaolin, ergueu o amigo em um autêntico Carnaval. “Ele foi o primeiro estrangeiro a conquistar o cinturão do Shooto e agora é o primeiro lutador a manter o cinturão em quatro defesas seguidas de título”, comemorava Toniko após a vitória. Pequeno ainda faria mais três defesas bem sucedidas de seu cinturão, só perdendo o titulo quando migrou para o k-1. Antes da chegada de José Aldo, Pequeno foi o peso pena mais dominante do mundo por seis anos, tendo vingado as duas únicas derrotas que teve entre 1999 e 2005.
SHAOLIN RUMO AO CINTURÃO DOS LEVES
Vitor Shaolin completou a festa brasileira dando um show de chão na maior revelação do Shooto em 2002, Tatsuya Kawajiri. Com uma calma impressionante, que transparecia na constante conversa em voz alta com Pederneiras durante toda a luta, Shaolin simplesmente não deu chances ao oponente. Foram vários socos, quedas, raspagens, passagens, montadas e tentativas de finalização. O faixa preta da Nova União não parou um minuto sequer e, se não finalizou, pelo menos não deixou dúvidas para os jurados. Com seis lutas e seis vitórias inquestionáveis, Shaolin, mais uma vez, justificou sua fama de novo bicho-papão dos leves. A disputa pelo cinturão com Takanori Gomi passava a ser questão de tempo, uma vez que o faixa preta da Nova União, com apenas duas lutas, já era o quarto do ranking da categoria.
MAIOR PESO LEVE DO MUNDO A CAMINHO DO PRIDE
Depois de roubar o cinturão de Rumina Sato e vencer Chris Brenan e Leonardo Santos (ambos por decisão), Takanori Gomi colocou seu cinturão em jogo pela primeira vez contra o 1º do ranking, Dokonjonosuke Mishima, que finalizara Márcio Cromado e empatara com Márcio Feitosa em 1999. Na melhor forma de sua carreira, Gomi não deu chances a Mishima, que acabou nocauteado no início do 2° round. No ano seguinte Gomi estrearia no Pride confirmando a fama de maior peso leve do mundo com três nocautes seguidos sobre brasileiros no 1º round: Jadyson Costa, Ralph Gracie e Fabio Melo.
NICK DIAZ E JAKE SHIELDS ESTREIAM COM VITÓRIA
Mas tirando Gomi, a torcida japonesa não teve motivo para alegrias no maior SHOOTO do ano. Além de assistirem ao passeio de Shaolin e Pequeno sobre os lutadores da casa, os quase quatro mil fãs viram três estreantes estrangeiros surpreenderem os favoritos locais. A maior surpresa da noite foi a derrota de Hayato Sakurai, grande ídolo do Shooto, depois de Rumina Sato, para o aluno de Cezar Gracie, Jake Shields, na categoria Middleweight (76kg). Mostrando-se ainda abalado depois da surra que levou de Matt Hughes no Ultimate Fighting Championship, Sakurai deixou seus fãs a verem navios, passando os três rounds da luta fazendo guarda e se defendendo dos socos do americano. “Preciso acordar a fera que existe dentro de mim novamente”, declarou o apático japonês após a derrota por decisão unânime dos jurados.
Outra surpresa foi o aluno de Cezar Gracie, Nick Diaz, que enfrentou Kuniyoshi Hironaka. Depois de passar maus momentos no primeiro round, quando apanhou muito de dentro da guarda, Diaz passou a dominar tanto em pé como no chão nos rounds seguintes, terminando o combate montado no valente japonês. Infelizmente, os jurados deram a vitória para o japonês por 2×1. Entretanto, a maior revelação da noite foi, sem dúvida, o norueguês Joachim Hansen. Mostrando muita agressividade, o faixa roxa de Jiu-Jitsu deu um passeio no experiente japonês Takumi Nakaiama. Com um belo arsenal de triângulos, pedaladas e arm-locks, Joachim mostrou que chegava disposto a galgar rapidamente os degraus no ranking da categoria Welterweight (70kg), dando trabalho a Gomi e Shaolin.
FILA PARA CONHECER A GUILHOTINA DO REI
No dia seguinte ao evento puder cobrir um concorrido seminário ministrado por Alexandre Pequeno. Reconhecido entre 1999 e 2005 como maior peso pena do mundo, o aluno de Eugênio Tadeu se posicionou pacientemente a frente de uma fila de repórteres, lutadores e até promotores ansiosos para sentir a pressão de sua famosa guilhotina. Após o seminário, porém, a “prata da casa” perdeu o status de posição mais popular para uma dolorosa chave de panturrilha, que arrancava gritos estridentes de todos os participantes. “Se não bater, fica dois dias sem andar direito”, anunciava o brasileiro, enquanto a fila aumentava na proporção dos gritos das vítimas. No fim do seminário, um repórter local tentou explicar aquele estranho senso masoquista dos fãs. “Eles têm o Nogueira como ídolo. Sentir os golpes aplicados por ele é uma honra e quase um prazer para os fãs”. Seis dias após o seminário ainda pude testemunhar Minotauro finalizando Dan Henderson, Rodrigo Gracie vencendo Yuki Sasaki, Ninja perdendo para Kevin Randleman e Minotouro fazendo sua estreia vitoriosa no Pride vencendo Guy Mezger. Definitivamente valeu muito a pena cada centavo investido nesta histórica dupla cobertura.