Mestre da Morte e a lição do seu próprio teorema 

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“A Língua é o chicote do rabo”. Toda vez que um lutador fala demais e acaba tomando uma lição nos ringue, quem viveu o mundo do Vale-Tudo nos anos 90 acaba lembrando do teorema do Mestre da Morte, Antônio Lacerda.

Lacerda passou a ser conhecido no mundo das lutas nos anos 90, quando apareceu no Rio de Janeiro revelando ter passado um longo período no Japão onde se graduou faixa preta de Yawara, uma modalidade que, segundo ele, lhe conferia habilidades especiais. “Meu dedo pode se transformar num alicate e minha mão numa bomba atômica”. Eram algumas das pérolas proferidas pelos mestre em suas exibições em algumas das principais academias do Rio.

Inicialmente Lacerda passou a ser visto nos bastidores das Artes Marciais como uma figura folclórica e divertida, mas aos poucos, graças a sua capacidade de convencimento, logo aquela espécie de “guru da luta” começou a arregimentar cascas-grossas  como Edson Carvalho (Faixa preta do Carlson campeão de Judo), Marco Ruas, Manimal e Carlson Jr.

De origem abastada, Lacerda logo começou a comprar espaços em revistas como a KIAI onde passou a desafiar lutadores de todas as artes marciais para enfrentar seus discípulos. Para se ter uma idéia ele chegou a comprar toda uma edição da extinta revista Fighting News onde fez 38 páginas de uma autopromoção constrangedora.

Todo aquele marketing acabou dando resultado e Lacerda foi convidado a mostrar, usando o discípulo Edson Carvalho, seus poderes sobrenaturais numa edição do Globo Repórter sobre artes marciais.

Obviamente o que inicialmente parecia cômico começou a incomodar muita gente, principalmente pelo respeito que Ruas e Edson tinham no mundo da luta.

Mas a maneira desrespeitosa como usava os discípulos e desafiava todos os estilos marciais logo começou a incomodar o próprio Ruas, que um dia decidiu se rebelar e desafiar a “morte” no meio de uma performance na academia de Judô do falecido mestre Jorge Medhi.

“Pra mim já deu esta palhaçada. Parado émole, quero ver em movimento, valendo porrada”, rebateu o criador do cross training fazendo guarda para iniciar um combate. Foi aí que o “Mestre da Morte” o desarmou com uma de suas pérolas: “Ruas, você está possuído pelo demônio! Se você me der uma porrada, me arrebenta, mas se eu usar minha bomba atômica, posso te causar danos irreversíveis”. Sem a menor intenção de machucar o coroa e já cansado de toda aquela loucura, Marco Ruas resolveu seguir seu caminho. No ano seguinte seria levado por Frederico Lapenda e Marcos Jara para a consagração no UFC 7.

Mas Lacerda não se deu por vencido e continuou seu périplo de desafios e exibições ao lado do mais fiel discípulo Edson Carvalho.

Em Fevereiro de 1998 aproveitando as presenças VIPs de Mark Coleman e Mark Kerr (na época o mais temido lutador do mundo) no torneio WVC 5 realizado por Frederico Lapenda em Recife, Mestre da Morte e Edson subiram ao cage antes da final do torneio para desafiar Kerr. “Quem é esse cara ? Eu lutei no WVC, no UFC e no Pride para chegar onde estou. Se ele quer lutar comigo manda ele se credenciar. Se ele lutar com o vencedor do torneio de hoje, aceito vir ao Brasil para partir este cara ao meio e acabar com esta farsa de mestre da morte”, me disse após o desafio Kerr, que nem se deu ao trabalho de subir ao cage para respondê-lo.

Minutos após a declaração de Kerr, Igor Vochanchyn nocauteou o aluno de Coleman, Nick Nutter na final, em apenas 30 segundos, e ao receber o convite de Lapenda, prontamente aceitou fazer a super luta com o discípulo do mestre da morte, Edson Carvalho.

CHICOTADA EM REDE NACIONAL

E o campeão cumpriu sua promessa. Um ano depois lá estava Igor Vovchanchyn em Recife defendendo seu cinturão na super luta do WVC 7 contra o estreante no Vale-Tudo Edson Carvalho. O evento foi transmitido ao vivo para todo o Brasil pelo Sportv e certamente deve ter garantido uma audiência absurda ao canal. Infelizmente há 21 anos não tínhamos como fazer enquetes interativas, mas certamente este deve ter sido o único evento na história das transmissões esportivas no Brasil onde a torcida brasileira, em sua grande maioria, torceu para um estrangeiro contra um representante nacional. Não pelo Edson Carvalho, que todos sabiam por sua história no Judô e no Jiu-Jitsu que se tratava de um casca-grossa da mais alta estirpe, mas pela absurda falta de respeito de Lacerda com todos os campeões e estilos marciais. Uma arrogância agressiva extremamente deletéria ao esporte. O fato é que ninguém aguentava mais aquilo.

E Lacerda acabou recebendo uma lição histórica em cadeia nacional. Após seis knock downs, o Mestre da Morte viu o juiz interromper a luta e decretar o nocaute a 3 minutos e 16 segundos do 1º round. Uma senhora chicotada transmitida ao vivo pelo Sportv e que o tirou em definitivo dos holofotes do mundo marcial.

Cinco meses depois Edson Carvalho mostrou ser um lutador de verdade e voltou a lutar um torneio Vale-Tudo no Brasil (BVF 14). Desta vez, obviamente, o mestre da morte nem deu as caras. Edson venceu o Leão da Paraíba na primeira luta, mas sem nenhuma experiência em derrubar sem quimono, acabou sendo nocauteado pelo aluno de Luiz Alves, Dario Amorim, aos 7 minutos na semifinal. Na grande final Renato Babalú venceu o colega de equipe e se sagrou campeão.

Depois desta luta Edson Carvalho deixou de lado o Mestre da Morte e voltou a focar nas modalidades que o consagraram nacionalmente (Judô e Jiu-Jitsu). Nos anos subseqüente se mudou para os Estados Unidos onde abriu sua própria academia e fez mais três lutas de Vale-Tudo. Venceu as três.

Como professor Edson, e seu irmão Ricardo, continuaram fazendo um excelente trabalho revelando campeões como Amanda Nunes, hoje apontada como maior lutadora de MMA da história.

Diferentemente do Mestre da Morte, Edson Carvalho e Marco Ruas encontraram seu caminho e mostraram seu valor no esporte. Já o mestre da Morte. Não importa quanto tempo passe, mas toda vez que um falastrão levar uma lição seu teorema do chicote sempre será lembrado.