IVC 2: O nascimento de Vanderlei Silva, o Ronaldinho do Vale-Tudo

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Artur Mariano e Vanderlei travaram 13 minutos de guerra na final
Artur Mariano e Vanderlei travaram 13 minutos de guerra na final

Entre 1997 e 2001 Sergio Batarelli realizou 14 edições do International Vale-Tudo Championship lançando para o mundo alguns dos grandes expoentes do MMA mundial. Considerado o mais sangrento Vale-Tudo do mundo o IVC era a principal plataforma lançadora de talentos do MMA nacional.   

Como editor da Tatame e correspondente das revistas Full Contact Fighter (EUA), Kakutougi Tsushin (Japão), Kampfkunst (Alemanha) e Cinturon Negro (Espanha) nunca medi esforços para estar presente em todas as edições. Até porque tinha plena convicção de que, quem conseguia se destacar no evento mais sangrento do planeta não tardaria a ser pinçado pelos dois maiores eventos do mundo (Pride e UFC).   

A bem da verdade, o IVC era uma espécie de processo de seleção inversa. Até porque qualquer um que conseguisse vencer três lutas não teria porque temer qualquer outro desafio. O fato é que o evento era tão violento que por mais acostumado que eu estivesse em cobri-lo a beira do ringue, não havia uma edição que eu não saísse impactado. E muitas das vezes com meu colete de fotógrafo devidamente salpicado.   

Colete salpicado de sangue

Foi o que aconteceu naquele IVC 2, realizado no dia 14 de setembro de 97. Um evento que ficou marcado de maneira especial em minha memória. Afinal de contas foi lá que assisti, pela primeira vez, um lutador que talvez tenha nascido com alguma espécie de mutação genética que, de alguma maneira, lhe bloqueava uma característica comum a qualquer ser humano, o instinto de sobrevivência. Quanto mais apanhava mais agressivo ficava aquele X-Men do Vale-Tudo, que foi apresentado ao público como Vanderlei Silva (com V).  

Já na primeira luta do torneio até 90kg, o parceiro do já consagrado Pelé Landy encarou o favoritíssimo atleta do RAW Team, Sean Bormet, duas vezes campeão do NCAA. Segundo Batarelli me disse Bormet seria uma espécie de Mark Kerr, só que da divisão até 90kg. Na primeira tentativa de queda, Sean foi rechaçado com uma sequência de chutes e tonteou, segurando na cintura do juiz, que interrompeu a 1min19s. Na sequência, Silva venceu o boxer Egídio Costa em apenas 2min27s com socos de dentro da guarda, e garantiu sua vaga na final.

Enquanto isso, do outro lado da chave, o faixa preta de Muay Thai, Artur Mariano, tratorizava dois americanos. Primeiro Patrick Assalone (Shootfighting), em 18s, e depois o veterano do UFC, Mark Hall, que havia vencido um representante do Jiu-Jitsu na primeira luta, mas deslocou a patela com um chute de Artur na semifinal. 

Artur Mariano atropelou Patrick Assalone em 19 segundos em sua primeira luta

Chute Boxe x Boxe Thai

A final da segunda edição do IVC foi um duelo entre as duas maiores escolas de Muay Thai do Brasil. De um lado o carioca Artur Mariano (aluno de Luiz Alves da Boxe Thai), de outro o curitibano Vanderlei Silva (aluno de Rudimar Fedrigo da Chute Boxe). Foram 13min10s de pau-pereira, sem um minuto de chão. Graças a sua impressionante agressividade nas lutas anteriores, Vanderlei conquistou o apoio da torcida que gritava “Ronaldinho” (devido a sua careca parecida com a do fenômeno do futebol). Aos quatro minutos, Silva encurralou o oponente, acertando-lhe um direto. Artur tonteou, mas respondeu com uma saraivada de golpes, abrindo um rombo no supercílio esquerdo de Vanderlei. Quando o melado escorreu, O X-Men multiplicou sua agressividade. Artur já sangrava, mas ainda encaixava os melhores golpes, abrindo ainda mais o supercílio do curitibano, que não parava de atacar empurrado pelos gritos de Heeeyyy, Heyyy de seus companheiros. A agressividade de Vanderlei levava a torcida a loucura, mas quando o ringue e meu colete de fotógrafo já estava salpicado de vermelho e o supercílio do curitibano parecia uma boca, os médicos interromperem o combate, dando a vitória para Artur, para desespero do curitibano, que queria mais. Esta seria a primeira de tantas vezes que teria o privilégio de assistir Vanderlei Silva da beira do ringue. Se soubesse que dali a 4 anos o “Ronaldinho do Vale-Tudo” seria tão popular no Japão quanto o original, certamente teria enquadrado aquele colete todo salpicado com seu sangue ao invés de lavá-lo assim que cheguei em casa.

Por falar em volta pra casa, depois de registrar cada lance desta noite histórica do Vale-Tudo brasileiro, o difícil foi conseguir baixar a adrenalina e dormir nas seis horas de volta de ônibus para o Rio.