UVF 4: A coroação dos reis do Wrestling na terra do Jiu-Jitsu

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O Baú desta semana é uma história que precisa ser contada em duas partes. Na realidade em dois eventos subsequentes, o UVF 4 (realizado na casa de shows Metropolitan no Rio, em outubro de 96), marcado pela vitória de Randleman e seu desafio publico aos grandes ícones do Jiu-Jitsu; e o UVF 6 (realizado seis meses depois no mesmo local) e que teve Carlão Barreto dando a resposta brasileira numa luta histórica, na final do torneio, que marcaria o primeiro confronto entre o Wrestling e Jiu-Jitsu em igualdade de condições. 

Neste primeiro texto vou falar do UVF 4, que foi marcado pela estréia de Kevin Randleman no Vale-Tudo e toda a quizumba gerada pela sua vinda ao Rio de Janeiro junto com seu mentor Mark Coleman, que naquele momento havia acabado de ganhar seu segundo torneio do UFC, tendo declarado logo após o evento que venceria, na mesma noite, os três Gracies mais respeitados no mundo da luta naquele momento (Rickson, Royce e Renzo). 

COLEMAN E RANDLEMAN NO BRASILEIRO DE JIU-JITSU 

Num momento onde os wrestlers começavam a dominar o esporte e seu maior ícone acabara de desafiar os três maiores expoentes mundiais da família Gracie, imaginar Mark Coleman e Kevin Randleman num campeonato brasileiro de Jiu-Jitsu soa até irônico, mas curiosamente foi o que aconteceu. 

Na semana que os gringos chegaram para o UVF4 estava acontecendo o brasileiro de Jiu-Jitsu e o estadual de Luta-Livre e o mestre João Alberto Barreto, que era um dos promotores do evento, teve a idéia de levar os wrestlers americanos para conhecer a “atmosfera marcial” do Rio de Janeiro. Duas experiências distintas que fiz questão de acompanhar de perto. 

No Iate Clube Coleman e Randleman não chegaram a ser vaiados, mas foram recebidos com uma frieza constrangedora. Um clima horrível, afinal de contas a Tatame #15, de outubro de 96, havia acabado de chegar as bancas com Coleman na capa prometendo enfileirar Rickson, Royce e Renzo na mesma noite. 

Ao chegarem ao Iate Clube Jardim Guanabara Coleman e Randleman foram apresentados a Carlos Gracie Jr., Zé Moraes e Wallid, mas percebendo o clima de poucos amigos decidiram subir para uma área mais reservada, onde arriscaram jogar futebol com algumas crianças. Percebendo o clima pesado no local, os dois logo pediram para seguir para o próximo destino e entraram na Van rumo ao campeonato de Estadual de Luta-Livre. 

Curioso para ver como os gringos seriam recebidos na modalidade rival, pedi ao mestre João Alberto uma carona na Van e no caminho aproveitei para bater um papo com os americanos. Ambos me revelaram que perceberam que não haviam sido muito recebidos no evento de Jiu-Jitsu, mas nada que abalasse suas impressões iniciais da Cidade Maravilhosa. “Achava que ia encontrar uma cidade violenta e perigosa e, no final, vi a cidade mais bonita da minha vida”, me disse Kevin, garantindo que não estava nem um pouco nervoso para sua estréia no Vale-Tudo no dia seguinte. “Eu passei minha vida competindo Wrestling. Ultimamente ajudo o Mark nos seus treinos quase diariamente. Com certeza fazer três lutas numa noite não será pior que isso”. 

Yamasaki apresentando Coleman ao presidente da CBJJ, Carlos Gracie Jr

Muito diferente do marrento que prometeu enfileirar três Gracies numa noite, Coleman contou que não via a hora de conhecer o Cristo e a praia do Pepê e, após receber de mim uma edição da Tatame #14 com Rickson na capa, reiterou o seu desafio ao Gracie: “Eu respeito muito ele e toda sua família, mas se ele disse aqui que não vê nada demais em mim, porque não para de falar e luta ? Posso vencê-lo, e vou”. 

No caminho entre Ilha do Governador e o evento de Luta-Livre realizado no América FC na Tijuca. “The Hammer” também me deu suas impressões sobre a Arte –Suave no MMA. “È uma ótima luta, mas é muito monótona. Eles tem que aprender a dar socos e cabeçadas. A técnica do Jiu-Jitsu é anulada contra adversários muito grandes e que conheçam um pouco da luta”.       

RECEBIDOS COM FESTA NA LUTA-LIVRE 

Ao chegar no evento de Luta-Livre, Coleman e Randleman não entenderam nada ! Afinal de contas encontraram uma atmosfera totalmente diferente. Além de serem aplaudidos pelo publico, foram homenageados e assediados ininterruptamente por fãs nas arquibancadas, pedindo para tirar fotos e autografar camisas. 

Após atenderem aos fãs Coleman e Randleman tiraram dezenas de fotos com os grandes ícones da Luta-Livre Hugo Duarte, Eugênio Tadeu e Marco Ruas e voltaram para o hotel para curtir o fim de tarde na praia do Leme ao lado de Geza Kalman, Dan Bobish e Dave Beneateau. Dan Severn, que veio para fazer uma super luta com The Pedro, foi o único estrangeiro que optou por não ir a praia este dia.       

Coleman com os ídolos da Luta-Livre Hugo, Ruas e Eugênio

RANDLEMAN ATROPELA E DESAFIA JIU-JITSU

O fato é que a formação do card do UVF 4 rendeu muita polêmica para os grandes ícones do Jiu-Jitsu junto aos fãs da modalidade. Afinal de contas num momento em que o Wrestling começava a dominar a cena mundial do esporte, era uma grande afronta a história da modalidade, o grande nome do Wrestling trazer seu aluno para se consagrar estreando num torneio na terra do Jiu-Jitsu, sem nenhum representante da Arte- Suave. 

“É um absurdo o que estes caras estão fazendo com a luta. Botaram caras sem expressão para representar o Brasil. Estão fazendo o nome dos gringos”. Me disse Wallid no dia do evento.

Fábio Gurgel, que foi procurado para lutar cinco dias antes por US 10 mil, também fez questão de explicar sua decisão de não lutar o UVF 4. “È muita falta de profissionalismo me chamarem nestas condições. É o Jiu Jitsu que leva o público e traz lucro ao evento”.   

O diretor técnico e matchmaker do evento o mestre João Alberto rebateu as criticas de Wallid e Gurgel. “Os brasileiros são engraçados, vão lá fora lutar por merreca, mas aqui querem bolsas exorbitantes. Falei com Hugo, Ricardão, Carlão, Murilo, Wallid e Traven e todos me pediram mais que o Severn. Os únicos brasileiros que hoje podem pedir alto, pois venceram lá fora, são: Rickson, Royce e Marco Ruas, o resto tem que construir sua história”, justificou o aluno de Hélio Gracie.

Quem gostou desta falta de diálogo interno foi Kevin Randleman, que deu um verdadeiro show em sua estréia no Vale-Tudo. A primeira vitima foi o brasileiro Luis Carlos Maciel. Conhecido como “He Man”, o lutador de Boxe fez uma boa luta em pé com o americano, mas quando foi derrubado acabou virando presa fácil para seu Ground N Pound. O árbitro Fernando Yamasaki parou o combate a 5min14 decretando TKO. 

Na segunda luta, mais um show do americano que após levar clara vantagem na trocação levou o gorducho Geza Kalman para o solo e definiu o combate com cabeçadas e socos a 7min25s.

Do outro lado da chave o lutador mais pesado do torneio, Dan Bobish (145 kg) finalizava o brasileiro Mauro Bernardo e nocauteava o canadense Dave Beneteau para disputar o título do UVF 4 com o aluno de Coleman.

Na grande final, após mostrar mais uma vez seu excelente boxe, Kevin derrubou Bobish e definiu a luta com socos de dentro da guarda, para delírio do mestre Coleman que invadiu o cage e comemorou os US 10 mil do pupilo, colocando-o no ombro.

Ao final do evento Randleman conversou comigo e mexeu com o brio do Jiu-Jitsu. “Achei que por estar na terra da família Gracie teria a chance de bater em algum grande nome do Jiu-Jitsu, mas eles preferiram dar desculpas. Espero que no próximo evento algum deles tenha coragem de tentar vir roubar meu cinturão”      

CARLÃO, WALLID E HUGO RESPONDEM COLEMAN 

Antes da grande final entre Randleman e Bobish, Coleman subiu ao cage e fez um desafio a qualquer brasileiro presente. Carlão Barreto e Hugo Duarte vieram logo atrás. “Estou aqui representando o verdadeiro Jiu-Jitsu, o time Carlson Gracie. Eu te desafio Coleman”. Hugo Duarte pegou o microfone na seqüência e também deu seu recado “Vou lutar em nome do Brasil. Vamos acabar com a prepotência destes americanos”. Na seqüência Carlão foi mais longe e propôs uma eliminatória entre ele e Hugo para ver quem representaria o país. Hugo aceitou prontamente. 

Neste momento Wallid subiu ao cage, pediu o microfone e disse que tinha uma mensagem de seu mestre Carlson Gracie. “Manda os gringos fazerem a lista de quem quer lutar conosco que nós vamos pegar um por um”, disse o marrento amazonense olhando nos olhos de Coleman, que mesmo não entendendo nada de português se limitava a bater palmas. 

Na descida do octagon entrevistei Wallid e perguntei a ele sobre o fato de só haver pesos pesados naquele desafio. “Se tamanho fosse documento, o elefante era o rei da selva”, me respondeu o faixa preta com uma de suas frases históricas.

Curiosamente, num momento em que nem se cogitava falar em MMA feminino, a treinadora de Severn, Becky Levi (1,82m /97kg) também aproveitou a serie de desafios para subir ao cage e desafiar qualquer brasileira. A galera inclusive começou a gritar o nome da boxer Nary Tyson, mas a verdade é que se hoje já é difícil encontrar oponentes para Gaby Garcia, imagine naquela época. Becky ainda conseguiria fazer 8 lutas de Vale Tudo entre 1996 e 2000, só tendo perdido uma única vez para a então novata Malos Coenen em sua ultima luta.  

CONVIDADO NA HORA DO EVENTO, SUKATA LUTA 40 MIN COM SEVERN

Para completar a noite do Wrestling americano o veteraníssimo Dan Severn venceu o, então faixa roxa de Jiu-Jitsu, Mario Sukata que substituiu The Pedro, Contundido na semana do evento. 

Como Severn já estava no Rio, a organização ao saber da contusão de The Pedro, fez varias propostas. Quando já cogitavam cancelar a luta eis que o faixa roxa Mario Sukata aparece no dia do evento aceitando a proposta e fazendo uma grande luta.

O paraibano lutou bem em pé e em todas as vezes que a luta foi para o solo não permitiu que Severn o acertasse. Sukata, inclusive, quase conseguiu encaixar um triangulo no wrestler, mas Severn, já malandro após ser finalizado por Royce na final do UFC 2, conseguiu sair. Depois de 40 minutos os juizes decidiram em favor de Severn, que fez questão de pedir o microfone e rasgar elogios ao valente brasileiro. “Ele é um guerreiro. Só soube que lutaria comigo 10 minutos antes da luta e ltou muito bem. Com certeza tem futuro”, agradeceu a lenda do UFC.

De fato a excelente atuação de Sukata lhe rendeu uma vaga entre os representantes brasileiros no UVF 6, quando ele, Ebenezer, Carlão Barreto responderiam, em seqüência e na mesma noite, ao desafio de Kevin Randleman. Mas este capítulo eu conto na semana que vem.

*Texto e Fotos: Marcelo Alonso