Cage Rage 8: O dia em que Anderson calou gangster inglês em Wembley, vingou Pelé e conquistou seu segundo cinturão

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Anderson Silva dominou inteiramente os 3 rounds e conquistou o cinturão em decisão unânime

No próximo sábado a lenda máxima do MMA nacional,Anderson Silva,  aos 47 anos, retorna aos ringues para uma luta de Boxe contra Jake Paul. No bau de hoje relembrei uma das noites mais marcantes da carreira do Spider. Dois anos antes de sua chegada ao UFC, Quando ele conquistou seu segundo cinturão dando um show de técnica em cima do gangster inglês Lee Murray, que havia rasgado a bandeira do Brasil de seu short durante a pesagem. Uma tentativa de desestabilizar o curitibano que acabou saindo pela culatra. Murray acabou perdendo seu cinturão e ainda viu sua torcida, que lotava a Wembley arena, aplaudir de pé o brasileiro.

  

Texto e fotos Marcelo Alonso

QUANDO O PSICOLÓGICO FAZ A DIFERENÇA

Talento, técnica e preparo físico são muito importantes para um atleta de MMA, mas de nada servem se o seu “psicológico” não for forte. A maior prova disso é que existem dezenas de lutadores que não primam pelo talento, mas que conseguiram ser campeões devido a sua garra, obstinação no treinamento somados a um psicológico diferenciado.

Quando o atleta tem talento, treina muito e ainda tem uma “cabeça forte”, aí a vida dos oponentes se complica.

Dentre as centenas de eventos internacionais que cobri acompanhando os lutadores brasileiros, confesso que poucas vezes vi tamanha demonstração de “macheza” quanto nos bastidores do Cage Rage 8. 

Convidado para enfrentar o campeão local Lee Murray, que havia nocauteado no segundo round seu parceiro de treinos, Pelé Landi, Anderson Silva chegou a Inglaterra com seu aluno Damazo. No hotel o clima era de pressão total. Só se falava que além de casca-grossa e extremamente talentoso, Murray era uma espécie de gangster temido por todos em Londres e que usava muito bem sua fama para amedrontar os oponentes.

Eu que já estava acostumado com a tensão da pesagem de vários Prides, UFC´s e até eventos feitos pela máfia Rússia, confesso que nunca havia visto algo parecido. O clima pré-pesagem era tão tenso que até os promotores demonstravam insegurança sobre como controlar Murray e sua gangue.  

Na hora da cerimônia lá estava ele gritando palavrões, apoiado por amigos mal encarados e com o olhar fixo no brasileiro, que evitava entrar na provocação. Pelo menos até a hora da tão aguardada foto cara a cara.

Após os dois subirem na balança, Murray rasgou uma bandeira do Brasil que estava no short da organização e, sob os gritos da torcida, colou a testa com Anderson. Foi quando o brasileiro perdeu a paciência e, em plena casa do adversário, o conduziu com a testa para cima das cadeiras que cercavam o tablado, iniciando um tremendo rebuliço. “Da escola onde venho aprendemos a não nos abater com terror psicológico. Cara feia para mim é fome”, disse o brasileiro que permaneceu rindo ironicamente enquanto o campeão arruaceiro o ameaçava na saída da sala. O fato é que a luta havia começado 1 x 0 e Anderson saberia usar do destempero do oponente para capitalizar respondendo em cima do octógono. 

Anderson não se intimidou e empurrou o gangster Murray para fora do tablado

SHOW NA BOMBONERA INGLESA    

O bafafá entre Anderson e Murray foi amplamente divulgado pela mídia local. O resultado disso foi que a torcida lotou as dependência do Wembley Conference Center, localizado a poucos metros do antigo estádio de Wembley (templo sagrado do futebol mundial).

Anderson entrou sob uma barulhenta vaia enquanto Murray era saudado de pé pelos torcedores. Lembro que impressão que tive é de estar prestes a presenciar uma final de um time brasileiro com um argentino na bombonera.

O que mais me impressionou foi a capacidade de Anderson esquecer tudo o que ocorrera até então, quando o juiz fechou a porta do octagon. Ao contrário de todos nós que havíamos passado por toda aquela pressão ao lado dele, Anderson parecia que estava dando mais um treino duro na Chute Boxe. 

O curitibano já começou a luta apresentando seu cartão de visitas ao acertar uma canelada no rosto do campeão, seguida de uma joelhada voadora que calou a torcida. Durante três rounds o brasileiro deu uma aula de MMA ao inglês. Na maior parte da luta, disputada em pé, aplicou caneladas, chutes giratórios e low kicks. Nas poucas vezes que caiu no chão Anderson tentou triângulos, omoplatas e arm-locks, todos defendidos pelo inglês. No terceiro round, Murray caiu duas vezes e por pouco não perdeu por nocaute.

No final da luta o brasileiro foi declarado vencedor por unanimidade, conquistando o cinturão do evento e aproveitando o momento para entregar ao inglês a bandeira brasileira que havia rasgado do calção. A atitude de Anderson levou a revolta da torcida que até ali aplaudia o brasileiro. “Pensei que não fosse sair vivo dali. Mas fiz aquilo para mostrar humildemente que desrespeitar um oponente e seu país não leva a nada”, explicou o brasileiro, que acabou sendo surpreendido no vestiário pela visita de Murray pedindo desculpas e reconhecendo sua superioridade. 

Após o evento, Lee Murray foi ao vestiário de Anderson parabenizar ao campeão e pedir desculpas por ter rasgado a bandeira brasileira

E não foi só Murray que virou fã de Anderson após esta luta, o campeão mundial de Jiu-Jitsu Vitor “Shaolin” Ribeiro que estava de passagem em Londres para uma série de seminários e acabou ficando no córner do campeão, me confidenciou: “Nunca o tinha visto lutar, é impressionante a rapidez com que a canela dele chega na cara do oponente”. 

DUAS DERROTAS BRASILEIRAS

Ao contrário de Anderson, seu colega de Chute Boxe Silvio Urutum e o faixa preta de Luta-Livre Johil de Oliveira não conseguiram vencer suas lutas. 

Mesmo sendo claramente superior tecnicamente ao inglês Mark Epstain, Urutum acusou a pressão da barulhenta torcida local e acabou perdendo na decisão. 

Já Johil de Oliveira, recém recuperado de um acidente de carro que prejudicou seriamente sua visão, lutou no sacrifício e acabou sendo finalizado pelo local Mark Weir com um katagatami ainda no primeiro round.     

CAMINHOS OPOSTOS

Depois deste evento as carreiras de Anderson Silva e do ídolo inglês Lee Murray tomariam caminhos opostos. Depois de perder para o brasileiro Murray, que já tinha fama de gangster na época da luta, se envolveria no maior assalto da história. Após surrupiar 92 milhões de dólares de um banco na Inglaterra, o ex-campeão do Cage Rage fugiu para Marrocos onde foi preso em 25 de Junho de 2006, condenado a 25 anos de prisão. A história do talentoso inglês está servindo de enredo para um filme que já está em fase de produção.

Depois da conquista, o brasileiro voltaria a defender o cinturão em três oportunidades nocauteando os três oponentes (Jorge Rivera, Curtis Stault e Tony Fryklund). 

Em Junho de 2006, enquanto Murray era preso em Marrocos, Anderson faria sua estréia no UFC nocauteando Chris Leben em apenas 49 segundos (UFC Fight Night 5).  

Em outubro de 2006 Anderson nocautearia Rich Franklin (UFC 64) em apenas 2min59 conquistando o cinturão do UFC e se transformando no maior campeão da história do evento (15 lutas consecutivas invicto e 9 defesas de cinturão).